segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

"LEU NA VEJA, AZAR O SEU": NOTA SOBRE O CASO DO 13o. SIGNO




Desde que veio à tona a polêmica sobre um possível décimo terceiro signo e as alterações estapafúrdias sugeridas pelo astrônomo Parke Kunkle li muito, escrevi pouco e publiquei nada sobre o assunto. A opção pela postura foi de alguém que estava realizando um cozimento de conteúdos a serem servidos no ponto adequado: quente, com um tempero penetrante e estimulante. À parte os gostos particulares da autora, que obviamente costuma gostar de seu próprio tempero (embora nem sempre), o texto presente serve de estímulo à prova do sabor ácido da provocação.


Qualquer astrólogo, astrônomo ou estudioso sério do assunto sabe que a astrologia é um sistema representativo, simbólico e não um modelo-cópia fidedigno do céu. Comparo-a ao sistema de calendário, que ao tentar ajustar a realidade sideral à realidade e necessidade antropológica de passagem de tempo, utiliza-se de mecanismos adaptativos. A cada quatro anos, temos um dia a mais no calendário, mas obviamente, essa reposição de horas é uma adaptação a um sistema que precisa ser prático, didático e humanamente útil à contagem do tempo em nossa época. Ora, o calendário atual (assim como todos os outros) se presta a uma tentativa de organização temporal adaptada às necessidades humanas. E nem por isso é falso, "pseudo qualquer coisa" ou parcialmente mentiroso. Os calendários configuram um modelo de contagem do tempo adaptado às culturas humanas.


A astrologia, assim como os calendários, também é um modelo adaptado às necessidades humanas de compreensão do funcionamento do cosmos. Exatamente por isso, esse modelo não é um retrato fidedigno do que ocorre com as moradas celestes. É apenas um sistema explicativo, com brechas, lacunas e problemas metodológicos, cabíveis a todos os modelos de função similar.



Há os que dizem que a astrologia estuda a influência dos astros no comportamento humano. Como diria nosso colega astrólogo Alexey Dodsworth, a astrologia não estuda nenhuma influência, ela apenas é um marcador de eventos, um relógio cósmico, um modo de interpretar o cosmos. Provar que existe uma relação de influência é o que faz muitos astrólogos perseguirem o aval da ciência exata, colocando-nos à mercê de situações como a imposta pelo astrônomo estadunidense.



A bem da verdade, a astrologia, da mesma maneira que os calendários, são várias e não uma. E essa variedade de modelos tenta, cada qual, dar conta de um olhar sobre o cosmos. Para os leigos, talvez seja importante saber que existe a astrologia pautada no movimento de translação (a mais comum no ocidente, cujo modelo dos 12 signos fixos "coincide" com as estações do ano, a partir do ponto vernal em Áries, estabelecendo uma relação entre constelações e signos humanos, criados como modelos de representação), e existem outras tantas astrologias. Dentre esses sistemas também existe a astrologia apoiada no fenômeno da precessão dos equinócios, movimento que gerou o "aparecimento" de Ofiúco na eclíptica.


Cabe dizer que a descoberta da precessão dos equinócios, ou seja, de que o eixo da Terra se desloca ao longo da eclíptica ou precessiona, é bastante antiga, datando do século II a.C. Acredito que também caiba dizer que a "novidade" da "inclusão de Ofiúco na ecliptica" não é tão nova assim, embora bem mais recente. O fato é que há anos cientistas conhecem e reconhecem esse processo. Em uma pesquisa de quatro minutos no google, encontrei blogs de pessoas leigas em português que falavam sobre esse assunto há cinco anos (se clicar nos links, desconsidere seu conteúdo, pois não é o foco aqui).



Se leigos já falavam sobre o tema há cinco anos, que dirá os estudiosos da área. Quero dizer que existe um tom claramente sensacionalista e debochador em reavivar um conteúdo, apresentando-o como uma novidade espetacular e acrescentando ao mesmo elementos de trágicas sugestões, como a proposição de uma tabela de mudança de signos. O astrônomo e seu grupo em questão não quiseram informar, mas provocar e denegrir, pois a informação sobre Ofiúco já era pública. Como astrológa não costumo ir à público sugerir que os químicos mudem a concepção da tabela periódica, embora vez por outra tenhamos alterações na mesma. O fato é que Perke Kunkle usou seu nome e sua reputação para reavivar uma rixa chatérrima e antiquíssima entre astrologia e astronomia e usou, como sempre se faz, as pessoas leigas para serem alvo de sua disseminação de deformação de um constructo.


A revista Veja, como um órgão bastante atento às deformações de informação e severamente conectado com notícias internacionais de impacto, procurou obedecer à mesma regra do astrônomo engraçadinho que deve ser de um signo ainda não descoberto (ou quem sabe inventado?) em sua matéria de capa da última semana (edião 2201): disseminar o absurdo, promovendo caos informativo.


Alguns colegas de profissão foram chamados pela revista para dar seu depoimento em relação à polêmica do 13o. signo. O que você acha que ocorreu, caro leitor? Algumas dessas pessoas sequer foram citadas, outras tiveram seus depoimentos cortados, outras ainda tiveram suas frases retiradas do contexto afirmado originalmente. A revista tem uma defesa: vender. Afinal, o mundo em que estamos funciona assim, não é mesmo? Definitivamente, a Revista Veja é uma piada. Só para constar, cabe dar uma olhadinha no link a seguir:



Aos que vêem nesse texto apenas um desabafo juvenil de uma classe hostilizada, deixo alguns pontos de reflexão e informação:


- a inclusão de Ofiúco na eclíptica pode e deve ser estudada sob o ponto de vista das diversas correntes da astrologia

- é sabido que o movimento de precessão dos equinócios não tem efeito sobre a marcação das estações, já que a inclinação do eixo da Terra em relação à eclíptica permanece a mesma, o que nos leva a raciocinar para o fato de que a astrologia tropical, que leva em conta o modelo fixo dos 12 signos, provavelmente não terá muitas reformulações a partir dos estudos sobre Ofiúco.

- o conceito de signo é diferente do conceito de constelação e certamente Perke Kunkle sabe disso. Ofiúco é uma constelação despontando na eclíptica.

- SEU SIGNO NÃO MUDOU.

- esse texto não é uma provocação à astronomia, área a qual respeito e admiro. É sim, uma provocação aos imbecis, astrônomos ou não, que exercem mal os poderes e conhecimentos que possuem.


Fora os imbecis, estamos todos na jornada do conhecimento. O prato ainda está quente, podemos comer. Abraços aos que ficam.

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